sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

SEM CABEÇA NEM PÉ

Havia uma mulher em Portugal
de exagerada vocação naval.
O passatempo dela
era olhar caravela,
Só para não sair de Portugal.

There was a Young lady of Protugal
whose ideas were excessively nautical;
She climbed up a tree
to examine the sea
But declared she would never leave Portugal.

Esse e outros poemas aparecem no livro SEM CABEÇA NEM PÉ, uma tradução do poeta brasileiro José Paulo Paes para os poemas do inglês Edward Lear, com a maravilhosa ilustração de Luiz Maia.
Lear, que viveu no final do século XIX e era também ilustrador escreveu poemas e histórias de um imaginário que permite construir metáforas apenas por elas mesmas, sem nenhum sentido elíptico, nenhum julgamento ético ou moral.
Esse modo de pensar, que aparentemente parece não ter lógica, corresponde a um momento da evolução do pensamento humano e possui um raciocínio próprio, diferente daquele observado na fase adulta, que é marcado pela categorização, sendo assim, a criança reúne as diferentes fontes de apreensão do universo como forma identificação do seu entorno. Isso torna possíveis construções como “a lua é um pedaço de queijo que um anjinho coloca no céu durante a noite”. A isso dá-se o nome de sincretismo.
Meu primeiro encontro com a obra de Lear foi quando li SEM CABEÇA NEM PÉ, mas depois eu procurei mais histórias dele no PROJETO GUTENBERG e encontrei A BOOK OF NONSENSE, histórias ainda mais loucas. Os temas apresentados são os mais variados: um homem com um nariz tão grande que virou poleiro de pássaros, outro que tem uma boca enorme capaz de engolir sua comida com prato e tudo, entre outros igualmente ilógicos e divertidos.

There was a Old Man of the North,
Who fell a into a basin of broth;
But a laudable cook
Fished him out with a hook,
Whish saved the Old Man of the North

Havia um velho senhor lá de Treze Tílias,
Que caiu num caldeirão de sopa de ervilhas;
Mas uma louvável cozinheira
Pesco-o com a escumadeira,
Salvando assim esse senhor de Treze Tílias
(tradução de José Paulo Paes)

O que mais chama atenção nesses poemas é que não há uma tentativa de explicação sobre a convivência e possível aberração dos enredos que abordem, exatamente como a criança faz.
Lear é o pai do estilo nonsense e influenciou escritores como Lewis Carol, autor de ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS, que inclusive é uma ótima idéia para um post.

sábado, 3 de dezembro de 2011

_não contem com o fim do livro

Um amigo me indicou esse livro porque sabe que gosto de livros, do Umberto Eco e do Jean Claude Carrière. Eu poderia até não gostar de nada disso e ainda assim me sentiria completamente atraída por _NÃO CONTEM COM O FIM DO LIVRO e este post destina-se a explicar o porquê.
O livro é um diálogo entre dois pensadores absolutamente singulares: de um lado um escritor, bibliófilo e filósofo , autor do romance histórico que se tornou best seller na década de 80, O NOME DA ROSA (lembra?); do outro lado, um contador de histórias, roteirista, escritor, diretor e ator. A estrutura é uma conversa mediada pelo jornalista Jean-Philippe de Tonnac, mas acredito que o mediador esteja mais na posição de deleite do que propriamente para fomentar algum tipo de diálogo. A pergunta de onde tudo parte é: o livro impresso irá sucumbir a alguma estrutura digital?
A resposta poderia ser simplesmente não: assim como o rádio não “perdeu” para a televisão, a televisão não “perdeu” para o cinema, o livro também não “perderá” para a internet ou similar. Apenas haverá uma mudança de apreciação da mídia. Mas estamos falando de dois homens que passaram a vida debruçada na leitura de livros e do mundo, vivendo e escrevendo sobre suas impressões.
Somos surpreendidos com um olhar impressionante sobre o registro da história e sua importância, sobre o desenvolvimento humano com relação à comunicação. Quando chegam ao tema internet o que interpelam não é sobre a mídia em si, mas sobre a relação humana com a investigação e com a verdade. Carrière indaga:
Mas se agora dispomos de tudo sobre tudo, sem filtragem, de uma soma ilimitada de informações acessíveis em nossos monitores, o que significa a memória? Qual o sentido dessa palavra? Quando tivermos ao nosso lado um criado eletrônico capaz de responder a todas as nossas perguntas, mas também àquelas que não podemos sequer formular, o que nos restará para conhecer? Quando nossa prótese souber tudo, absolutamente tudo, o que devemos aprender ainda?
Ao que Eco responde:
A arte da síntese.
E ele está obviamente se referindo à síntese hegeliana, aquela que parte da investigação, compreensão da tese, formulação e confronto com a antítese.
O recado é que, assim como a leitura do livro, a verdade não é apenas o que é expresso na Wikipédia, mas antes é uma orientação que precisa ser lida, revista e confrontada até a exaustão com outras tantas bases de informação.
A internet mudou completamente nossa maneira de pesquisar. Nós, que nascemos antes da década de oitenta, sabemos muito bem o que isso quer dizer, porque tínhamos a Barsa ou a Enciclopédia Britânica ocupando um lugar que agora é da Google. Mas a mudança fundamental é que agora, quando buscamos um verbete, aparecem milhões de resultados possíveis, o que antes se restringia a uma única verdade cedeu espaço à dúvida.
Procuro, por exemplo, a palavra síntese e encontro 11.600.000 possibilidades em 0, 06 segundos. As respostas passam por um site de notícias sobre a luta dos trabalhadores da educação na rede pública de Sergipe a um Fórum no Yahoo sobre resumo, síntese e resenha de livros. A compreensão exata daquilo que estou buscando é fundamental para a leitura de qual o resultado devo seguir. O leitor da internet, diante das infinitas possibilidades, precisa paulatinamente tornar-se mais letrado, mais arguto, mais seletivo, num processo que evolui na mesma velocidade que a tecnologia. E como realizar essa conquista? Debruçar-se sobre os antigos autores, lê-los, relê-los e tomar deles a orientação necessária para a elaboração das perguntas que conduzem a verdade. A busca é uma ciência a ser estudada e reverenciada. E a orientação de como isso é feito advém daqueles que se ocupam e ocuparam a relatar nos livros o seu processo.