quinta-feira, 17 de novembro de 2011

TRADIÇÃO ORAL

Uma coisa puxa a outra e, já que falei da reunião de contos russos feita por Pierre Gripari nos CONTOS DA RUA BROCÁ, lembrei-me de uma coleção de contos de fada da Editora Landy.
Há dois volumes dedicados a reunião de CONTOS DE FADAS RUSSOS.
O mais interessante de se conhecer as histórias da tradição oral de um povo, é perceber a sutileza de princípios éticos que norteiam a construção dessas histórias e, por conseguinte, passam adiante a formação cultural desse povo.
Contar histórias não é apenas a transmissão de um faz-de-conta, é um poderosíssimo (o superlativo não é à toa) instrumento de formação de princípios.
Por exemplo, há neste livro um conto muito interessante chamado BRANCA DE NEVE E A RAPOSA no qual uma bela jovem, criada pelos avós, sai com os amigos em uma alegre expedição pela floresta. Distraída com amoras e arbustos, a jovem se perde da comitiva e vê-se sozinha na floresta quando começa a escurecer. Ela sobe em uma árvore e fica a lamentar o seu destino. Um urso, ao perceber a angústia da menina, aproxima-se e oferece ajuda. Ela recusa por temor ao urso. Um lobo faz a mesma oferta e ela também recusa, pelo mesmo motivo. Uma raposa oferece ajuda e a menina aceita. A raposa a acompanha até a casa dos avós e pede, como recompensa por seus préstimos, uma galinha. Os avós dão a galinha, mas, na sequência, soltam um cachorro, a fim de espantar a benevolente raposa. E acaba o conto.
Há tanta informação sobre conduta e princípios neste conto que nem sei por onde começar. Tudo nele chama atenção: o fato da garota ser criada pelos avós e não pelos pais já tem uma carga enorme de significado que vão da importância dos anciãos, à ausência dos pais, possivelmente em função de uma sobrecarga de trabalho. Como é bastante difícil determinar a data em que foram criados contos de tradição oral e, sobretudo, o sem número de vezes que foram modificados pela boca de cada orador, fica difícil saber qual a circunstância histórica que fez com que se caracterizasse esse cenário de educação de uma criança. Mas, não é difícil de encontrar na história da Rússia, passagens em que os adultos jovens, e mesmo crianças, tivessem uma elevada carga horária de trabalho.
Outro aspecto identificável é que Branca de Neve é uma garota distraída, mas não ingênua, ao contrário de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, ela sobe no alto de uma árvore, a fim de dificultar o acesso de possíveis predadores, e só aceita a ajuda de um animal de pequena estatura, como uma forma de segurança, uma vez que ela garante uma certa igualdade de condições no caso de um embate.
Mas o aspecto que mais me chama atenção foi a paga que a raposa teve por ter ajudado a menina. Ela cumpriu com o prometido, mas, em contrapartida, foi açoitada por um cão.
Dizer que os avós de Branca são ingratos é muito pouco, porque esse conto mostra uma moral vigente na época em que foi contado: não confie em alguém mesmo que essa pessoa te faça o bem.
A raposa, assim como o lobo, simboliza o algoz e, mesmo que sua postura antagoniza esse papel, é tratado como tal.
Considero esse tema bastante atual. É só substituir a raposa por qualquer grupo excluído do convívio social dos considerados cidadãos de bem: negros, moradores de rua, catadores de lixo, enfim, imagine esse sujeito trazendo a jovem branca de classe média para casa. Como seria a reação?
A Rússia fica bem próxima, não é?

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