quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O QUE DIZER E O QUE NÃO DIZER NA FRENTE DAS CRIANÇAS

Esse é um tema bastante controverso: o que dizer e o que não dizer na frente das crianças?
Bem, ao menos que você tenha conseguido construir uma redoma e afastado essa criança de todo e qualquer contato com o mundo externo, ela já viu e ouviu em poucos anos de vida, muito mais que você durante toda a sua infância, aliás, acredito que até mais que a infância.
Sei que vou parecer uma velhinha falando, mas, no meu tempo, esse acesso desenfreado à informação não existia. E eu nem sou tão velha assim, mas nasci antes do telefone ser uma coisa popular, de todo mundo ter televisão em casa, no tempo em que o vídeo-game mais moderno se chamava tele-jogo e eram apenas dois pauzinhos que batiam em uma bolinha, numa velocidade que hoje um bebê de seis meses ia achar irritante de tão lenta, mas, na época, era o máximo!
Cresci durante a ditadura militar e muitas coisas não podiam ser ditas em casa, aliás, em lugar algum, porque alguém podia desaparecer se dissesse algo considerado subversivo. Nem sei se essa palavra existe ainda.
Por isso havia todo cuidado com o que era dito na frente das crianças. Assistia-se pouco à televisão, ouvia-se bastante rádio e conversava-se muito. A voz era o principal condutor de notícias, então ficava fácil selecionar os assuntos adequados às crianças. Lembro-me de uma expressão usada pela minha mãe quando queria conversar algo “de adulto” com as minhas tias: “tem pés descalços…”, isso significava que eu estava ali e, como tinha o péssimo hábito de divulgar as conversas, era usada a senha para não continuarem o assunto, ou melhor, continuarem na hora em que eu não estivesse por perto.
Século XXI chegou e a principal via de comunicação é a visual. Você até pode desligar a televisão, mas há o computador, o celular e o mundo. Há o grupo de iguais, os celulares e ipods dos amigos, as redes sociais e tantas outras mídias inimagináveis no século passado.
Afinal, o que dizer e o que não dizer na frente das crianças? Tudo. Tudo pode ser revelado desde que se leve em consideração que a criança é um cidadão e merece ser respeitado como tal, que tem o seu tempo de apreensão das coisas e que pode ter o acesso à informação, mas não tem vivência para decodificar. Por isso mesmo, quem tem uma criança em casa deve ter a generosidade de conversar com ela sobre o mundo que a cerca, sobre aquilo que ela vê e vive. Mas como cidadã que é, acima de tudo, a criança tem que ser ouvida e considerada porque ela dará boas pistas sobre o momento – e  a forma – que determinados assuntos poderão ou não ser aprofundados.
Não se pode ter medo dos temas que eram considerados tabus no século passado porque eles estão aí, espalhados no cotidiano: morte, medo, violência, diversidade enfim, todos aqueles que outrora os adultos calavam em frente aos “pés descalços”.
Acabei de ser apresentada a um livro que devorei em uma hora: FIGURINHA CARIMBADA, do brasileiro Márcio Araújo. É um livro em que crianças contam suas histórias de heroísmo da vida cotidiana, numa narrativa simples, sem fantasias, mas com a clareza necessária para que os leitores formulem suas questões e entrem em contado com o seu próprio heroísmo. Há o João que perde a mãe em um acidente de carro; o abastado Luiz Felipe que passa a ter uma imagem diferente do conceito de família quando se torna amigo do filho da empregada; o Ícaro, um menino que gosta de fazer teatro e, durante um show de fogos de artifício, fica cego, enfim são histórias que contam sobre a dor e a delícia de se estar no mundo. Um livro que fala de muita coisa difícil de ser dita, mas que alguém precisa falar. E o Márcio faz isso com maestria.
É importante que haja histórias de príncipes e fadas, mas há muito a ser dito além da fantasia.

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